A missão social do crédito rural e o direito à prorrogação dos contratos.

Por Laura Ruvieri de Amorim Berto
A época da colheita naturalmente leva o produtor rural a calcular se o produzido é suficiente para cobrir os créditos contratados junto às instituições financeiras, seus fornecedores, contratos antecipados e demais compromissos assumidos no período de plantio. Com muita responsabilidade, carregam o peso e o risco advindo de um modelo de negócio suscetível a fatores climáticos e econômicos imprevisíveis.
No entanto, alguns desses produtores perceberão o saldo negativo, ou seja, que o produzido não foi o suficiente, e os motivos são diversos: perdas significativas na safra, aumento expressivo nos custos de produção, queda nos preços das commodities agrícolas, dentre outros.
O que muitos produtores ainda não conhecem é que a atividade desenvolvida possui uma missão social e que, por causa disso, a legislação o protege destas situações inesperadas, sobretudo diante das instituições financeiras.
É que o financiamento rural possui função social advinda do fato de que, no final da cadeia, é a população que se beneficiará dos alimentos colhidos no campo. Em razão disso, a Constituição Brasileira prevê que deverá ser elaborada a política agrícola nacional (como o plano safra) e, ainda, que esta deverá levar em consideração especialmente os instrumentos creditícios e fiscais, dentre outros (art. 187, I da CF/88).
Dito de outra forma, a Constituição determina que a responsabilidade pelos créditos assumidos por produtores rurais é do interesse nacional, ultrapassando a autonomia privada da relação produtor-banco. Tanto o é que apenas a União pode criar leis sobre a política agrária e de crédito (art. 22, I e VII da Constituição Federal de 1988).
Isso ocorre, pois, a finalidade coletiva dos créditos assumidos para financiamento da produção, independente de suas características específicas, limita a autonomia privada do campo contratual, especificamente em relação aos créditos rurais assumidos junto às instituições financeiras.
Assim o é, porque o sistema financeiro nacional deve servir aos interesses da coletividade, além de garantir o desenvolvimento equilibrado do país (art. 192, caput, CF/88).
Perceba, então, que apesar de comumente as instituições financeiras tentarem constranger os produtores quanto à rigidez das datas de vencimento estipuladas para pagamento dos créditos assumidos, a Constituição enxerga o crédito rural por outros olhos.
Daí advém a previsão legal e entendimento jurisprudencial (Súmula 298/STJde que a prorrogação do crédito rural é um direito do produtor, uma vez cumprido o seguinte requisito: envio de requerimento administrativo ao Banco solicitando a prorrogação do crédito antes do seu vencimento, acompanhado da comprovação de incapacidade financeira e de documento que demonstre que tal dificuldade decorre de fatores previstos no Manual de Crédito Rural, tais como:
Portanto, uma vez cumpridos os requisitos acima mencionados, o Banco é obrigado a prorrogar os prazos de pagamento do crédito concedido conforme a possibilidade de pagamento do produtor, nos termos da Súmula 298, STJ:
Súmula 298/STJ: O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.
Dessa forma, uma vez constatada a impossibilidade de pagamento, seja pela perda da safra ou qualquer das hipóteses mencionadas acima, o produtor deve solicitar que seu engenheiro agrônomo – ou outro profissional habilitado – elabore: i. laudo de frustração da safra e ii. laudo de capacidade de pagamento, prevendo o período de carência e quantidade de parcelas necessárias. Quanto mais documentos comprobatórios o produtor conseguir armazenar, maiores as chances de ver valer o seu direito.
Convém ressaltar, contudo, que há alta probabilidade de tal pedido ser negado administrativamente ou, pior, que o gerente bancário seja instruído a renegociar tal crédito, retirando sua natureza rural e privando o produtor dos benefícios garantidos por lei.
Por esse motivo, é fundamental contatar um advogado para acompanhar as tratativas administrativas e, quando necessário, buscar o judiciário para requerer a suspensão da exigibilidade das operações até a apreciação do pedido de prorrogação, bem como que o Banco deixe de inscrever o nome do produtor nos órgãos de proteção ao crédito e no SICOR (Sistema de Informações de Crédito Rural) do BACEN (Banco Central do Brasil).
Os riscos da produção agropecuária são grandes, por isso, conhecer esse direito é importante para proteger sua produção e sustentar a missão alimentar do país.
Laura Ruvieri de Amorim Berto é advogada no escritório Prado Advogados Associados, certificada no curso de extensão universitária Arquitetura dos Contratos pela Faculdade de Brasília, Pós-graduada pela Escola Nacional da Advocacia em Direito Contratual e Responsabilidade Civil, cursando especialização pela Escola de Formação em Direito do Agronegócio – EFAGRO em execuções rurais, inscrita na OAB/MT 29.270.
Artigo também disponível em: PORTAL MATO GROSSO
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